O meu blog: “histórias do coração” ele mostra a beleza e todas as maravilhas que existem em nossas vidas em todos nossos sentimentos tudo em forma encantadora de palavras que nos saem do meu coração, um coração que acredita na vida na felicidade de tudo que a vida nos reserva. O meu coração é um livro sobre o amor que vivem na minha alma. (Aqui encontramos poemas, música, e histórias da vida real) (Joaquim Rodrigues)
sexta-feira, 8 de março de 2013
"DESPERTAR A CURIOSIDADE"
Estão os dois nus na cama. Ele deposita-lhe um beijo casto no seio e ela solta uma gargalhada, divertida com a sua atitude de cavalheiro inveterado até na confusão dos lençóis desfeitos. Puxa-o mais para si, aproxima-lhe a boca do seio exposto e diz-lhe que se deixe de cerimonias que o quer apaixonado e sôfrego. Mas diz-lhe isto com palavras francas e uma desenvoltura de mulher adulta e sem remorsos de trair o marido que também a trai todas as sextas-feiras nas traseiras do café da praia com uma rapariga trigueira que ela conhece de lhe servir a bica de manhã e de se servir do seu marido ao final do dia, num quartinho quase indigente, quente e abafado, onde mal se respira. Ela sabe isto tudo mas não quer saber, diz que do seu casamento já só restam os cacos e que, se ainda vivem juntos, é porque não têm dinheiro para duas casas. É uma mulher madura e robusta, que já passou há muito dos quarenta mas vai deixando a idade assentar sem se amargurar com as desilusões. Já ele é um viúvo chegado aos sessenta sem saber quase nada do sexo feminino, pois foi sempre homem de uma só mulher, a única que namorou, casou e enterrou com uma profusão de lágrimas de alma perdida. Pensou que não aguentaria a vida sem ela, que não poderia comer por não saber cozinhar, que iria descomposto à missa de domingo por não saber fazer o nó da gravata que ela lhe fizera todas as manhãs sem uma única falha em trinta e um anos de casados. Viveram um para o outro com uma dedicação resignada e uma paciência feliz, apaixonados até ao último minuto. Não tiveram filhos nem foram mais longe de casa que os limites da própria vila, tirando raras exceções como o casamento de um primo, que distava cinquenta quilômetros Contudo, desde que enviuvou, despertado por uma curiosidade súbita, apanhou o comboio e foi à capital. E depois de esquadrinhar incansavelmente a cidade, meteu--se na camioneta e foi para Sul para descobrir onde acabava o país. E, não satisfeito, continuou a viagem por todas as cidades, vilas e aldeias do país. Pensou prosseguir caminho para lá da fronteira, mas entretanto conheceu a vizinha, que esteve sempre do outro lado da rua. Recebe-a em casa todas as sextas-feiras ao final da tarde e ela afoga-o em beijos quentes sem lhe dar tempo para a cumprimentar e despe-lhe, peça por peça, a roupa toda desde a entrada até ao quarto e mete-se debaixo dele com um ardor que não conhecia. Descobriu que pode fazer amor sem amor e que aquela mulher alegre lhe diz entre gargalhadas, na intimidade dos lençóis, as mesmas palavras dissolutas que ele só costumava ouvir dos homens. E está curioso por conhecer melhor as mulheres.
(03/03/2013)
Joaquim Rodrigues:
"O DESCONHECIDO"
Ele pousa os olhos nela, embevecido, como que observando algo raro e precioso. Ela voltou-se automaticamente ao ouvir chamar pelo seu nome e, depois de um instante de desorientação, percebeu que tinha sido aquele desconhecido que gritara por si. Veio aproveitar a manhã ensolarada a deambular pela feira, nas ruas fechadas ao trânsito, deitando uma olhadela às velharias baratas que os feirantes arrumam em cima de panos estendidos no passeio. Entretém-se a descobrir coisas curiosas entre a infindável tralha de objetos inúteis que se encontram naquele espólio em segunda-mão. Interessa-se por um gancho para o cabelo em prata rendilhada de especto antigo, diverte-se a negociar um preço irrisório com o feirante, acaba por ficar com ele por uma nota pequena, guarda-o no bolso do casaco. Quando ele a chama, ela vira-se, descobre-o parado entre a multidão, no meio da rua. Inclina a cabeça para a frente, confusa, e, por momentos, pensa que ele está a chamar outra pessoa. Olha em redor, perscrutando o ambiente à espera de ver alguém a responder-lhe, mas não, é mesmo a si que se dirige. Aponta um indicador contra o próprio peito, como que a perguntar se é com ela. Ele dá alguns passos em frente, encurta a distância entre os dois, fica ali especado a olhar para ela com um ar enfeitiçado. Ela faz um sorriso expectante, à espera que diga qualquer coisa.
- Não estás a reconhecer-me, pois não?
- Hum, não, responde ela, entre a embaraçada e a divertida.
- Não fazes ideia de quem eu sou?
- Não, repete. A voz arrastada deixa em suspenso um desejo de esclarecimento. Então, ele diz-lhe que é um colega de liceu de há vinte anos. Ela tem uma exclamação, embora não se lembre do nome e o seu rosto ser-lhe apenas vagamente familiar. Não admira que não se recorde, pois do rapaz com quem partilhou a mesma sala de aula só resta a sombra de uma ténue parecença. Hoje em dia, ele tem o cabelo a ficar grisalho, está inchado, desmazelado. Não obstante, há o tom de voz, a forma de rir, algumas expressões, que lhe despertam lentamente a memória. Quer ver-se livre da sua companhia, mas ele está tão entusiasmado e fala tanto que acabam por andar por ali a passear enquanto vão recordando os velhos tempos. Agora já se lembra perfeitamente, ele foi o seu primeiro namorado, o seu primeiro beijo, uma paixão enorme e fugaz. Casou, teve filhos, divorciou-se. Ela? Não casou, teve uma longa relação que terminou recentemente. Acabam a tomar um café, a recordar a adolescência, despedem-se. Ele parte, ela abana a cabeça desconcertada, a pensar que quando era miúda amou desesperadamente aquele desconhecido, que não lhe diz nada, não lhe desperta o menor interesse.
(24/02/2013)
Joaquim Rodriguem:
"SOLIDÃO"
(08/03/2013)
Joaquim Rodrigues
"ALGUÉM ESPECIAL"
Ela sai do trabalho com pressa e corre para apanhar o autocarro. Quer ir a casa vestir outra roupa, qualquer coisa mais bonita, mais sofisticada. Vai a uma exposição de pintura e está entusiasmada por ter um programa diferente, para variar. Fecha a porta de casa, atira a carteira para cima do sofá, entra no quarto contíguo à sala já a despir-se, abre o armário, escolhe um vestido. Troca de roupa rapidamente e segue para a casa de banho. Pinta levemente os olhos, observa-se ao espelho, satisfeita com o que vê. É bonita, mas está sozinha há algum tempo. Volta a pensar nisso, é um pensamento que não a larga ultimamente. Subitamente, sente-se perdida. Regressa à sala e desaba no sofá. Vasculha a carteira à procura de um cigarro. A sala são vinte metros quadrados, o sofá, a televisão, o armário com alguns livros, nada de especial. O que há de especial na sua vida, pergunta-se. Havia uma pessoa, um homem que amava, mas deixou-o para trás. Era complicado, demasiado complicado, não acreditou que podia ser feliz com ele e agora não é feliz de todo. Deixou-o para trás, ele acabou por desistir dela, as duas coisas, embora, na sua cabeça, não o tenha deixado para trás. Deixa-se cair de costas, quase deitada, com os cotovelos apoiados em cima dos braços do sofá, como uma náufraga no seu próprio sofá, num desconsolo. De repente, já não lhe apetece ir à exposição, já não lhe apetece coisa nenhuma, senão chorar, talvez. Ainda assim, dali a pouco, obriga-se a levantar-se, a recompor-se, a sair de casa. Entra na galeria de arte e descobre quadros enormes num espaço moderno, iluminação forte, um rumor alegre. Respira fundo, avança, junta-se aos amigos e fala a todos com uma alegria que não sente. Diz a todos que está feliz, que é muito feliz. Pensou que se saísse e se divertisse seria suficiente. Mas não é. Ainda assim, está apostada em contrariar a melancolia. Aceita um copo de vinho branco – não gosta de vinho branco, mas e então? –, troca piadas com os amigos, diverte-se! É o que parece. Uma amiga apresenta-lhe um amigo. Ele fica por ali a rondá-la com uma conversa agradável e ela não o rejeita. Mais tarde, o amigo da amiga pede-lhe o número de telefone e ela pensa por que não? Apanha um táxi de volta para casa, encosta a testa ao vidro, uma lágrima solitária desce-lhe pelo rosto. Pensou que pudesse conformar-se... Vai direta para a cama, mas a tristeza espanta-lhe o sono. Desperta num sobressalto às três da manhã. Descobre que tem o telemóvel na mão. Procura o nome dele e escreve uma mensagem:
"Estás aqui?, pergunta".
Segundos depois recebe a resposta:
"Estou, estou sempre aqui".
Ela escreve de volta:
"Eu sei, querido".
E torna a adormecer, agora mais tranquila.
(08/03/2013)
Joaquim Rodrigues
"UM FIM-DE-SEMANA ESTRANHO"
- O que se passa? Pergunta a amiga, estranhando-lhe o sorriso triste quando se sentam na esplanada.
- Nada, porquê?
- Estás um pouco aérea.
- Aérea? Não.
- Estás apaixonada, declara a amiga.
- Estou agora! Mas pergunta-se se será possível apaixonar-se num fim-de-semana. Pergunta à amiga. - Claro que sim, responde esta com convicção.
Foi com outra amiga a uma festa onde não conhecem ninguém, mas a amiga não se atrapalha e já está acompanhada. Ela, pelo contrário, é incapaz de falar com desconhecidos, de modo que fica ali aborrecida. Já bebeu dois vodkas tónicos e não está acostumada, mas vai ao bar pedir o terceiro só para estar ocupada. Encosta-se ao balcão a bebericar. Um homem à sua frente pede-lhe licença para se aproximar do bar.
- Obrigado, diz ele, estas festas são piores que o metro em hora de ponta.
E ela solta uma gargalhada sonora. Não sabe porquê, mas acha-lhe um graçalhão. Acorda de manhã alarmada num quarto estranho. Tem ao lado um homem adormecido que não reconhece, perscruta o próprio corpo com as mãos e descobre horrorizada que está nua, embora com a roupa interior. Esgueira-se da cama, descobre o vestido numa cadeira, agarra-o, volta-se e surpreende o desconhecido a sorrir-lhe.
- Ias-te embora sem te despedires?
Tapa-se com o vestido e embrulha-se numa justificação sem sentido. Ele levanta-se e ela solta um gemido involuntário ao vê-lo nu, mas fica mais tranquila quando percebe que está de boxers. Ele vai abrir a janela, desvendando uma vista deslumbrante sobre uma planície que termina no mar a quilómetros de distância.
- Onde estamos? Pergunta-lhe, a pensar que nunca mais toca em álcool.
Ele, espantado, responde:
- Estamos em Leça.
- Olha, diz, eu sei que pareço tontinha, mas não sei como vim aqui parar e não me lembro de ti, nem sei o teu nome.
Ele vai acender um cigarro, encosta-se ao parapeito da janela a fumar, conta-lhe a noite passada.
- E nós... Fizemos alguma coisa?
- Não, diz ele a rir-se, foste uma desilusão.
Fica mais aliviada, mas quer ir-se embora, só que depende daquele homem simpático e atraente que fuma à janela em boxers. Ele promete levá-la a casa, se ela ficar para o almoço.
- E fiquei o fim-de-semana todo, conta agora à amiga.
- Uáu! Exclama esta, e dizias tu que não se passava nada!
Ela faz uma careta, diz.
- Pois, foi isto.
- E agora? Pergunta a amiga.
- Agora, nada, encolhe os ombros, ele despediu-se de mim, disse que me ligava, mas não ligou. Nem sequer fiquei com o número dele, achei que ia ligar-me.
- Homens, diz a amiga, são todos iguais.
- Pode ser que ainda telefone, afirma, sonhadora.
- Pode ser, diz a amiga, só para não a desiludir.
- E no entanto, à noite ela recebe uma mensagem dele e o seu rosto ilumina-se com um sorriso.
(01/03/2013)
Joaquim Rodrigues:
"PRIMAVERA"
Ela passou o sábado ocupada a tratar da roupa, mudar os lençóis das camas, aspirar, enfim, a fazer o que vai ficando para trás durante a semana, entre o emprego e o filho. Hoje, como ele foi para casa do pai, aproveitou. Mas quando a luz do dia acaba e se senta sozinha na sala, a penumbra e o silêncio trazem uma melancolia. De modo que decide sair, ver gente, tomar um café. Na rua, vai caminhando devagar, apreciando o perfume da Primavera. Pára por momentos, atraída por uma montra. Ele cruza-se com ela nesse momento e vê-a a sorrir sozinha, a olhar para a montra, mas não percebe a razão. Foi porque achou graça a uma bola de vidro, daquelas que neva se for agitada. Mais à frente, ele dá com uma esplanada e pára a ponderar. Há uma mesa livre e o ambiente é convidativo. A noite está amena e as pessoas conversam animadamente ali à beira do movimento tranquilo do bairro. Pensa não tenho pressa para nada, encolhe os ombros instintivamente e resolve ficar. Já na esplanada, ela repara numa mesa vazia e, ao passar por ele, vê-o avançar também para a mesa. Sorriem um para o outro, constrangidos.
- Quer sentar-se? Pergunta ele.
- Não, deixe estar, responde ela.
- Parece que não há mais nenhuma livre, diz ele, podemos ficar os dois nesta, se não se importar.
Ela hesita um segundo, mas aceita. Apresentam-se, pedem cafés, falam do tempo maravilhoso que faz. Depois descobrem que moram no mesmo bairro e cresceram na mesma escola, embora não se lembrem um do outro. Ela refere que tem um filho, que hoje está com o pai. Ele mostra-lhe a mão aberta, sem aliança e diz.
- Eu ainda nem sequer casei. Passou uma hora e, repentinamente, ela anuncia que tem de ir. Contudo, de regresso a casa, pensa que gostou dele e recrimina-se por ter cedido aos receios, por se ter afastado, por não se querer apaixonar com medo de sofrer. Já ele, pensa que estúpido, nem sequer lhe pedi o contacto! E, num impulso, vai atrás dela. Percorre dois quarteirões a correr, sem a descobrir, volta para trás, lança um olhar em redor e dá com ela no passeio do lado de lá. Atravessa a rua, chama-a, alcança-a quase sem fôlego. Ela vira-se, surpreendida, e ele a rir-se, a arquejar, pede-lhe só um bocadinho para recuperar.
- Que foi? Pergunta-lhe, divertida.
- É que não me deu o seu número de telemóvel e podem passar mais vinte anos sem nos voltarmos a cruzar. Ela solta uma gargalhada, dá-lhe o número, diz-lhe adeus outra vez. Deixa-a ir com um aceno cansado, encosta-se a um carro, grava o número e liga-lhe. Ela acabou de virar a esquina, abana a cabeça, atende.
- E já agora, diz ele, como estamos os dois sozinhos, não quer vir jantar comigo?
(27/02/2013)
Joaquim Rodrigues:
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