Joaquim Rodrigues
Pode parecer cruel mas era no meu muro, que tinhas o teu ponto de equilíbrio, e eu amava ver o meu amor respeitado como tem que ser. Os passeios contigo eram sempre como entrar num belo e anestesiante paraíso que eu não conhecia. Então já lá no jardim dos amores-perfeitos, eras só tu que contavas malmequeres.
Quando tudo mudou, quando era mais forte do que alguma
vez fora e, desde aquele dia, tenso como nunca mais. Perdia-me sempre nos teus
passos quando te encostava a um lugar que tu conhecias, assim como no muro, ou
me pedias para sentar num banco do jardim para poderes ficar ali a olhar nos
meus olhos, e me fazias sentir que não existia, que não estava exactamente
atrás de ti a fazer-te subir nas pontas dos pés até aos olhos vítreos, na parede
do louvor à pressão.
Pode não parecer, mas saiamos do jardim do parque-da-cidade
onde me levavas, muito antes que as portas fechassem, e perto da nossa hora
limite, a fazer fé no martírio que desatou a apossar-se de nós os dois, quando
nos começávamos a sentir já infelizes, desconfiado um do outro e de tudo, e
muito antes do após abandono. Nesse dia, o que deixamos de consumir ardeu a sós
e ardeu para sempre.
Ainda me lembro, à medida que nos aproximávamos das árvores,
era o cimento da cidade que começava a aparecer mais líquido. Desorientava-se
da formação matriculando-se no tronco, nunca mais calçada, e muito menos cinza,
uma antecipação de subida rubra.
Sei como nos perdíamos com o olhar pela copa daquelas árvores
lá no parque, e como lá em cima, sendo perto, parecia tao mais longe do que o
lado oposto do lago que lá existia. E como toda aquela paisagem imensa
oferecida aos meus olhos me fazia tão bem, aos meus olhos, porque tu já
conhecias, e eu só com meu olhar te agradecia.
Desabotoávamos o olhar do plano geral para chegar à
geografia das folhas, à circunferência da copa das árvores, a poucos metros
altos. Mas quando me pedias que eu subisse, ou me levantasse, fazia questão de
te dizer que nunca recolhi folhas que não se inscrevessem poesia no chão,
“Nesse tempo tudo era poesia, aquela poesia que ficou gravada do meu peito
aquela que aqui eu escrevo”. Quando afinal comecei a perceber da minha
fragilidade, me senti muito só, era como desejar o que nunca fui capaz de ter.
Só em lembrar já pode ser cruel, porque passou a ser com
medo que frequentei aqueles lugares. Não me sentia capaz de reconhecer quem eu
era, e com quem eu andava. Era eu e um ritmo tonto que eu não conseguia
controlar, uma falta de confiança por nunca conseguir, te sentir completamente
comigo, completamente a meu lado, por nunca saber o que estava a chegar de
novo, ou um olhar de querer que o tempo passasse que me deixava completamente desconfortável.
Mas deambulava sem heroísmo a teu lado, e sentia no teu olhar
uma falta de confiança em mim até chegar a coragem de confesso, que afinal
nunca tinha existido, e que a comoção estava gasta, e que todas as agitações só
apareciam em pequenas porções relâmpago, sempre por lugares onde tu me levavas,
lugares que me fazia esquecer tudo, até folhas secas, que com o tempo foram
perdendo as vísceras. Eu quis sempre esvaziar-te em mim, encher-me por dentro
com as cordas do baloiço, entregar-te ao meu suporte, cada caminhada a teu lado
parecia um infinito.
Mas passou a ser amargo o tempo, porque tu assim o
querias, trocavas o meu tudo que era só teu, por todos os avisos que vinham de
fora de nós, e assim fazias de um lugar só nosso controlado por o outros
indesejáveis seres que nada nos acrescentava, mas que nunca deixaram de andar
ao nosso lado. Até no lago do parque que para mim fazia parte do meu paraíso,
não nos deixavam em paz.
E sem perceberes, tornavas o lugar não só escolhido para
nós os dois, mas sim para muitos outros, e tu nunca te preocupaste para que eu
não percebesse. Fazias do lindo passeio do parque algo que já lá não tinha chão
onde pudesse apanhar folhas secas.
Bem antes dos portões se fecharem, eu olhava para a copa
do muro que desfilava em cimento entre árvores, e sem ponto de passagem e sem
plano geral, obrigavas-me a dizer mil vezes o que faço eu aqui.
(15/05/2017)
Joaquim Rodrigues