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sexta-feira, 8 de março de 2013

"O DESCONHECIDO"


                                      

 Ele pousa os olhos nela, embevecido, como que observando algo raro e precioso. Ela voltou-se automaticamente ao ouvir chamar pelo seu nome e, depois de um instante de desorientação, percebeu que tinha sido aquele desconhecido que gritara por si. Veio aproveitar a manhã ensolarada a deambular pela feira, nas ruas fechadas ao trânsito, deitando uma olhadela às velharias baratas que os feirantes arrumam em cima de panos estendidos no passeio. Entretém-se a descobrir coisas curiosas entre a infindável tralha de objetos inúteis que se encontram naquele espólio em segunda-mão. Interessa-se por um gancho para o cabelo em prata rendilhada de especto antigo, diverte-se a negociar um preço irrisório com o feirante, acaba por ficar com ele por uma nota pequena, guarda-o no bolso do casaco. Quando ele a chama, ela vira-se, descobre-o parado entre a multidão, no meio da rua. Inclina a cabeça para a frente, confusa, e, por momentos, pensa que ele está a chamar outra pessoa. Olha em redor, perscrutando o ambiente à espera de ver alguém a responder-lhe, mas não, é mesmo a si que se dirige. Aponta um indicador contra o próprio peito, como que a perguntar se é com ela. Ele dá alguns passos em frente, encurta a distância entre os dois, fica ali especado a olhar para ela com um ar enfeitiçado. Ela faz um sorriso expectante, à espera que diga qualquer coisa.
 - Não estás a reconhecer-me, pois não?
 - Hum, não, responde ela, entre a embaraçada e a divertida.
 - Não fazes ideia de quem eu sou?
 - Não, repete. A voz arrastada deixa em suspenso um desejo de esclarecimento. Então, ele diz-lhe que é um colega de liceu de há vinte anos. Ela tem uma exclamação, embora não se lembre do nome e o seu rosto ser-lhe apenas vagamente familiar. Não admira que não se recorde, pois do rapaz com quem partilhou a mesma sala de aula só resta a sombra de uma ténue parecença. Hoje em dia, ele tem o cabelo a ficar grisalho, está inchado, desmazelado. Não obstante, há o tom de voz, a forma de rir, algumas expressões, que lhe despertam lentamente a memória. Quer ver-se livre da sua companhia, mas ele está tão entusiasmado e fala tanto que acabam por andar por ali a passear enquanto vão recordando os velhos tempos. Agora já se lembra perfeitamente, ele foi o seu primeiro namorado, o seu primeiro beijo, uma paixão enorme e fugaz. Casou, teve filhos, divorciou-se. Ela? Não casou, teve uma longa relação que terminou recentemente. Acabam a tomar um café, a recordar a adolescência, despedem-se. Ele parte, ela abana a cabeça desconcertada, a pensar que quando era miúda amou desesperadamente aquele desconhecido, que não lhe diz nada, não lhe desperta o menor interesse.

(24/02/2013)
Joaquim Rodriguem:

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