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quinta-feira, 21 de março de 2013

"Sadnesse" (HD) Joaquim Rodrigues


"O Amor e o Tempo"



Pela montanha alcantilada.
Todos quatro em alegre companhia.
O Amor, O Tempo, a minha Amada.
E eu, subia-mos um dia.

Da minha amada no gentil semblante.
Já se viam indícios de cansaço.
O amor passava-nos adiante.
E o tempo acelerava o passo.

- Amor, amor! Mais devagar!
Não corras tanto assim, tão ligeira.
Não pode com certeza caminhar.
A minha, doce companheira!

De súbito o amor e o tempo, combinados.
Abrem as asas trémulas ao vento.
Por que voais assim tão apressados?
Onde vos dirigis, nesse momento.

Volta-se o amor e diz com azedume.
- Tende paciência, amigos, meus!
Eu sempre tive este costume.
De fugir com o tempo, adeus, adeus!

(21/03/2013)
Joaquim Rodrigues

"Amor Mio" (HD) Joaquim Rodrigues


"Trinta dias Trinta Anos"



Conhecem-se no comboio, algures entre Portugal e França. Ela vai para Paris, ele para Berlim. Têm ambos vinte e poucos anos e viajam sozinhos. Vêem-se pela primeira vez quando se sentam frente a frente numa carruagem de passagem por Espanha. Ele surpreende-a a espreitar por cima do livro que tem nas mãos, interessada na capa do livro que ele lê. Sorri-lhe.
- Já leste este? Pergunta-lhe.
- Não, responde ela, é bom?
- Para dizer a verdade, não estou a adorar.
- E o teu? Ela encolhe os ombros.
- Eh ! Já li melhor.
E é o início de uma longa conversa que lhes permite conhecerem-se melhor. Vão assim, por aquelas horas todas, na companhia um do outro, sempre a falar, sem darem pelo tempo a passar. Chegados a Paris, despedem-se com a sensação de terem uma ligação, como se se conhecessem há muito mais do que aquelas escassas horas no comboio. Mas antes, ele propõe-lhe trocarem de livros.
- Lês o meu e eu leio o teu, depois digo-te o que achei, e tu fazes o mesmo.
- Combinado, - concorda ela.
Ele lê o livro dela durante o resto da viagem. Ela faz o mesmo em Paris. Em breve estão de novo em contacto, a propósito dos livros, ou tendo estes como desculpa para voltarem a falar, pois ficou-lhes uma enorme vontade de se juntarem outra vez. Atravessam a semana seguinte em permanente contacto, falando ao telefone, dizendo onde estão, o que fazem, o que pensam das coisas que vêm ou experimentam. Por fim, não resistindo à distância que os separa, acabam por combinar um encontro em Estrasburgo, a meio caminho entre Paris e Berlim. Cada um deverá tomar o seu comboio em direção à cidade francesa, junto à fronteira com a Alemanha. Passaram-se trinta anos. Ele está na estação em Estrasburgo quando ela chega. Abraçam-se. Falam em inglês, porque ela não sabe alemão e ele não sabe francês. Ela repara que ele agora tem o cabelo todo branco, mas de resto continua o mesmo. Também ela tem umas rugas mais, mas reconhece-lhe o mesmo sorriso juvenil de antigamente. Já lá vão tantos anos e hoje deixaram as suas famílias por vinte e quatro horas, para se reverem. Recentemente, descobriram-se por sorte no Facebook e mantiveram o contacto, agora sentam-se num café, abanam a cabeça com um sorriso desconcertado e pensam como poderiam ter sido diferentes as suas vidas se tivessem chegado a reencontrar-se naquela época. Tinham combinado regressar a Estrasburgo trinta dias mais tarde, mas afinal, por motivos distantes que hoje lhes parecem menores, embora determinantes na altura, só o fizeram trinta anos depois.

(05/10/2012)
Rodrigues Joaquim:

"Como andar à chuva" (HD) Joaquim Rodrigues


"Estou Só"



Nem uma folha bulia.
Que calma! Ó alma.
Tanta beleza extasia!
Banhava tudo o luar.
E as Rosas formosas.
Era pecado cortar.
 
Ninguém, não via ninguém.
Apenas eu, a quem Deus deu.
Cinco sentidos por bem.
Mas para quê, meu senhor?
Para chorar, e lamentar.
Esta vida sem amor?
 
De que serve ver e ouvir.
Ter o olfacto, e o tacto.
Falar e tudo sentir?
Ver a flor envelhecer.
Ouvir o vento, seu lamento.
Dum corpo que vai morrer?
 
Sentir o cheiro da vida.
Querer vive-la, e perde-la.
Ficando só e esquecido?
Estou feliz, e regalado.
Estou com frio, estou gelado.
Estou triste, sinto dó.
Passou a noite estou só.
 
(21/03/2013)
Joaquim Rodrigues

"Lembranças" (HD) Joaquim Rodrigues


"Primavera"



Ela passou o sábado ocupada a tratar da roupa, mudar os lençóis das camas, aspirar, enfim, a fazer o que vai ficando para trás durante a semana, entre o emprego e o filho. Hoje, como ele foi para casa do pai, aproveitou. Mas quando a luz do dia acaba e se senta sozinha na sala, a penumbra e o silêncio trazem uma melancolia. De modo que decide sair, ver gente, tomar um café. Na rua, vai caminhando devagar, apreciando o perfume da Primavera. Pára por momentos, atraída por uma montra.
Ele cruza-se com ela nesse momento e vê-a a sorrir sozinha, a olhar para a montra, mas não percebe a razão. Foi porque achou graça a uma bola de vidro, daquelas que neva se for agitada. Mais à frente, ele dá com uma esplanada e pára a ponderar. Há uma mesa livre e o ambiente é convidativo. A noite está amena e as pessoas conversam animadamente ali à beira do movimento tranquilo do bairro. Pensa não tenho pressa para nada, encolhe os ombros instintivamente e resolve ficar. Já na esplanada, ela repara numa mesa vazia e, ao passar por ele, vê-o avançar também para a mesa. Sorriem um para o outro, constrangidos.
- Quer sentar-se? Pergunta ele.
- Não, deixe estar, responde ela.
- Parece que não há mais nenhuma livre, diz ele, podemos ficar os dois nesta, se não se importar.
Ela hesita um segundo, mas aceita. Apresentam-se, pedem cafés, falam do tempo maravilhoso que faz. Depois descobrem que moram no mesmo bairro e cresceram na mesma escola, embora não se lembrem um do outro. Ela refere que tem um filho, que hoje está com o pai. Ele mostra-lhe a mão aberta, sem aliança e diz.
 - Eu ainda nem sequer casei.
 Passou uma hora e, repentinamente, ela anuncia que tem de ir. Contudo, de regresso a casa, pensa que gostou dele e recrimina-se por ter cedido aos receios, por se ter afastado, por não se querer apaixonar com medo de sofrer. Já ele, pensa que estúpido, nem sequer lhe pedi o contacto! E, num impulso, vai atrás dela. Percorre dois quarteirões a correr, sem a descobrir, volta para trás, lança um olhar em redor e dá com ela no passeio do lado de lá. Atravessa a rua, chama-a, alcança-a quase sem fôlego. Ela vira-se, surpreendida, e ele a rir-se, a arquejar, pede-lhe só um bocadinho para recuperar.
- Que foi? Pergunta-lhe, divertida.
- É que não me deu o seu número de telemóvel e podem passar mais vinte anos sem nos voltarmos a cruzar.
Ela solta uma gargalhada, dá-lhe o número, diz-lhe adeus outra vez. Deixa-a ir com um aceno cansado, encosta-se a um carro, grava o número e liga-lhe. Ela acabou de virar a esquina, abana a cabeça, atende.
- E já agora, diz ele, como estamos os dois sozinhos, não quer vir jantar comigo?

(27/02/2013)
Joaquim Rodrigues: