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sábado, 19 de agosto de 2017

"Amor sentido" HD

Joaquim Rodrigues

"Um amor vulgar"

Joaquim Rodrigues


A um sábado há tarde eles os dois entram no supermercado vai às compras, são um casal vulgar, na casa dos sessenta, daqueles que ninguém repara duas vezes, quando cruzam com eles. Ele veste um fato cinza escuro, gasto, de má qualidade, e usa gravata apesar de ser fim-de-semana. Ela traz um dos seus eternos vestidos leves de Verão, floridos, que dão a impressão de serem todos iguais e todos igualmente banais.
Demoram-se cerca de uma hora pelos corredores do supermercado. Escolhem criteriosamente os produtos que compram, e trocam uma ou duas palavras sobre a marca dos cereais ou do azeite e, estando os dois de acordo, colocam-nos no carrinho. Nenhum deles toma uma decisão autónoma e faz uma compra por impulso. Tudo o que levam obedece à regra do consenso. Dir-se-á que é uma negociação inútil, visto que no final levam exactamente as mesmas compras de sempre, mas trata-se de um ritual antigo que lhes dá prazer cumprir.
Colocam os produtos no tapete rolante da caixa, onde a empregada jovem vai passando com eficiente indiferença as embalagens pela máquina que lê o código de barras. A rapariga não abre a boca, senão para lhes perguntar se querem sacos e para os informar do total da conta. E muito se poderia dizer sobre uma pessoa pelas compras que faz. Mas ela só está interessada em verificar quanto tempo falta para acabar o turno.
Ele enche dois sacos de plástico enquanto ela atrapalha a fila de clientes ao apresentar um maço de papéis de desconto que obriga a empregada a verificar antes de fazer a conta. Depois, tira uma nota da carteira e alguns trocos do porta-moedas. Saem do supermercado, atravessam a rua, colocam os sacos no porta-bagagens do carro, voltam a trancá-lo, dirigem-se para a pastelaria ali mesmo em frente, sentam-se na esplanada. Pedem dois cafés e dois pastéis de nata. E, se não pedissem, o empregado saberia o que lhes deveria trazer, pois vão lá há anos e, que ele se lembre, nunca fizeram um pedido diferente.
Não conversam muito, mas há uma ternura óbvia na forma como comunicam com um olhar cúmplice ou um gesto atencioso. Demoram-se ali cerca de meia hora. Há sempre uma ou outra pessoa que entra ou sai da pastelaria e que os cumprimenta educadamente, gente conhecida do bairro, só isso. Eles não têm propriamente amigos, nem filhos, nem sequer família afastada. Vivem um para o outro com uma dedicação pacífica, muito agarrados às rotinas quotidianas. Houve um tempo em que pensaram em viajar um pouco, depois de se reformarem, mas, chegada a altura, acabaram por desistir da ideia. São um casal sem ideias. Ainda assim, são felizes à sua maneira, enfim, moderadamente felizes, como tudo na vida deles.

(18/07/2014)
Joaquim Rodrigues

"No escuro" HD

Joaquim Rodrigues

"O lênço de papel"

Joaquim Rodrigues

Na vida a gente aprende de tudo, aprendemos como podemos ver o amor, e como o amor muitas vezes nos faz chorar, e como durante esse período de tempo consome-se dezenas de lenços de papel, só para limpar a ranheta que largamos.
Todos tipos de lenços usados são muito frágeis, e todos os namorados não param de ter erros ortográficos, foi sempre assim, e sempre assim será! Ainda hoje na reprodução dos lenços originais, os erros não foram corrigidos, se tu aceitares, só te posso aconselhar duas coisas.
Primeiro proponho que participes num concurso, reescreves todas as quadras que tens na tua memória em lenços de papel, mas escreve sem erros.
Segundo vais ter de lembrar que eu existi na tua vida, e que as quadras que escreveres têm sempre forçosamente de ter o meu nome, caso contrário, o que reescreveres nunca vai ser verdadeiro. Convém te preparares bem, para entrares no concurso, para não falhares, entras então numa biblioteca, pode ser a biblioteca da vida, pois ela ensina muito bem, e lê tudo sobre pessoas que não param de consumir papel, e então é ai, que tu me vais conhecer melhor.
 Aproveita para aprender de onde sai o papel para fazer os lenços dos ranhosos, e como os lenços depois são feitos.
Quanto ao concurso atenção só serão aceites os melhores trabalhos. Mas se tu fores inteligente, talvez consigas, talvez sejas a melhor, depois já não tens de consumir papel. Portanto despacha-te há um prémio para o melhor trabalho. Eu já mandei o meu.
Meu amor deixa-me eu chorar até eu me cansar e consumir todo este papel, só quero que me leves para um lugar qualquer contigo e chorar há vontade, mas onde Deus nos possa ouvir aos dois”

(26/07/2017)
Joaquim Rodrigues

"Viver feliz" HD

Joaquim Rodrigues

"Reflexão"




Joaquim Rodrigues

Hoje acordei e lembrei-me que afinal sou um felizardo, ainda tenho mais um dia para viver e para tentar ser mais um dia feliz, e até me deu uma vontade enorme de gritar ao mundo que me dessem ouvidos. Eu sei que não devemos levar as coisas muito a sério, nem os trabalhos devem ser levados tão a sério!
Por isso devemos nos limitar a existir e não levar nada até ao limite, nunca deixe que a sua casa as suas janelas brilhem mais do que o brilho que você é capaz de transmitir. E pense que até a camada de pó vai proteger a madeira que está por baixo dela!
Uma casa só vai virar um lar quando você for capaz de escrever “Eu amo-te” sobre os móveis.
Antigamente havia quem gastava-se no mínimo 10 horas por semana para se manter tudo bem limpo em casa. Caso alguém aparecesse para nos visitar estaria todo o nosso orgulho protegido. Mas depois descobrimos que ninguém passa por acaso lá por casa para nos visitar. Hoje todos estão muito ocupados viajando, passeando, se divertindo, vão aproveitando a vida!
E se agora, alguém aparece de repente cá em casa como eu me vou sentir? Não tenho que explicar a minha vida nem a situação da minha casa a ninguém e pronto. As pessoas não estão interessadas em saber o que eu fiquei fazendo o dia todo enquanto elas passeavam, como deve ser! Se divertiam, e aproveitavam a vida.
Caso você ainda não tenha percebido, a vida é curta, aproveite-a, e tire o pó, só se precisar
Porque será sempre muito melhor pintar um quadro ou escrever uma carta a alguém que amamos ou mandar um SMS, dar um passeio, uma caminhada saudável, ou visitar uma amiga/o, fazer um bolo e lamber a colher suja de massa, ou então plantar e regar umas sementinhas na entrada da sua porta, talvez quando alguém pensar ser a sua visita, possa gostar de ver.
 Mas pense bem, na diferença que existe entre o querer e o precisar, limpe o pó só se precisar.
Porque você vai ter muito tempo livre é para beber champanhe, nadar na praia (ou na piscina), escalar montanhas, brincar com os cachorros, ouvir música e ler livros, curtir os amigos e correr, fazer tudo que podemos fazer nesta vida, que tem o seu final ali já. Aproveite a vida. Nunca esqueça que não passamos de uma alma solta, libre, só assim a vida vale a pena, ser vivida, ninguém é escravo de nada nesta vida, e você também não! Por isso, tire o pó só se precisar. A vida continua lá fora, o sol ilumina nossos olhos, o vento agita-nos os cabelos, um floco de neve, ou as gotas da chuva caindo mansamente. Pense bem, este dia está a chegar ao fim, ele não volta jamais. Tire então pó, só se precisar.
Mas atenção não se esqueça que você vai envelhecer e muitas coisas não vão ser tão fácil de fazer como agora o é.
E quando você partir, como todos nós partiremos um dia, quando fazer aquela viagem que todos temos de fazer, você também vai virar pó, e ninguém vai-se lembrar de quantas contas você pagou nesta vida, nem de sua casa tão limpinha, mas vão se lembrar de sua amizade, de sua alegria e do que você ensinou a todos nesta vida que afinal é tão curta.
“Não é o que você juntou, e sim o que você espalhou que reflecte como você viveu a vida.”

(19/08/2017)
Joaquim Rodrigues