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segunda-feira, 1 de abril de 2013

"Não é um Adeus" (HD) Joaquim Rodrigues


" O Sr. Metódico"



À hora de almoço, ele sai do escritório e vai pelo bulício da rua, atravessando solitário pelas correntes de transeuntes, imune à confusão da cidade. Não pensa em nada, cumpre apenas a sua rotina. Entra numa papelaria e dirige-se ao corredor das revistas e dos jornais para comprar qualquer coisa para ler durante o almoço, no restaurante do costume, ali ao lado. Agarra no jornal de sempre sem olhar para os títulos, distrai-se ainda a ver as capas das revistas, como faz todos os dias, mas, como também acontece todos os dias, acaba por não se decidir a comprar nenhuma. Desiste das revistas e aproxima-se do balcão à entrada da loja para pagar o jornal. A sua vida é uma sucessão de acontecimentos que se repetem ao longo da semana sem novidade.
Vive sozinho, nunca casou, sabe que não tem uma existência emocionante mas tem a versão a tudo o que interfere com a sua normalidade. No escritório é metódico e preza as coisas feitas a tempo e horas. Os chefes confiam nele por ser trabalhador e não falhar, os colegas consideram-no um chato, ele prefere pensar que é uma pessoa séria, afável mas inflexível nos prazos, exigente com todas as vírgulas.
Sentada na beira de um banco alto, com um pé no chão e o outro apoiado na travessa do banco, ela vai atendendo as pessoas, recebendo o dinheiro, devolvendo o troco. Faz aquilo com rapidez e eficiência, sem se enganar, embora pareça que tem a cabeça noutro lado qualquer. É vagamente simpática com os clientes, correcta mas de poucas falas. Há porém um cliente que atrai a sua atenção e, hoje, quando ele se aproxima, recebe o dinheiro do jornal e oferece-lhe uma revista com um sorriso aberto.
 - É uma oferta, diz.
Ele, espantado, pergunta-lhe.
 - Porquê?
 - Porque nunca se decide qual deve comprar, e hoje apetece-me oferecer-lhe esta, responde ela.
E a sua atitude deixa-o desarmado. Agradece, leva a revista. Ao almoço folheia-a, pensativo, perturbado pelo gesto dela, pelo seu sorriso bonito, surpreendido por nunca ter reparado nela apesar de a ver todos os dias. Ainda mais surpreendido por ela ter reparado em si.
À tarde tem dificuldade em concentrar-se no trabalho, à noite tem dificuldade em adormecer. Não obstante, acorda bem-disposto e passa a manhã ansioso a olhar para o relógio, à espera da hora do almoço. Contra todas as regras, sai cinco minutos mais cedo, corre para a papelaria, ignora o jornal, compra uma revista, aguarda impaciente a sua vez para pagar.
 - Olá! Exclama ela, radiante, estou a ver que desistiu do jornal.
 - Vou seguir o seu conselho, diz, entusiasmado, para variar. E depois, numa inspiração, pergunta. 
 - Como te chamas?

(01/04/2013)
Joaquim Rodrigues

"Eu Quero Amor" (HD) Joaquim Rodrigues


"A Flor"



Que sorte tu tens, meu amor!
Quem ma dera ter também!
Recebeste uma flor.
E nem soubeste de quem.
 
Pobre florinha, tão querida.
Que teve os carinhos meus.
Vai é ficar esquecida.
Pois não lhe darás os teus.
 
Se a tua sorte eu tivesse.
Ó meu amor o que eu faria!
Que carinho lhe daria!
 
O que a uma só envaidece.
A outra dava aventura.
Maior, mais terna, mais pura!
 
(01/04/2013)
Joaquim Rodrigues

"Sem Palavras" (HD) Joaquim Rodrigues


"Os meus Relógios"



Na minha Sala, tão sozinho.
Olho ao meu redor, e vejo.
Vejo um frasco de perfume.
Para esta vida de estrume.
Me ajudar a suportar.
Minora-me o azedume.

Os relógios são tantos.
Meus relógios.
Na minha sala tão sozinho.
Eu me lembro muito bem.
Cada um, história tem.
E toda para contar.
Já que são tristes também.

O do avô.
O do meu materno avô.
Na minha sala tão sozinho.
Sua imagem vejo agora.
Como nos tempos de outrora.
Quando visitar-me vinha.
E eu adorava essa hora.

Do paterno.
Do meu querido avô paterno!
Na minha sala tão sozinho.
Como não me hei-de lembrar.
Se há pouco foi a enterrar.
Se desta cabeça minha.
Não se pode ainda apagar?

O de música.
O despertador de música.
Que me obriga ouvir.
Na minha sala, tão sozinho.
Vejo-me, então, a sorrir.
 
(31/03/2013)
Joaquim Rodrigues