Ao vê-lo sorrir para si fica atrapalhada e, quando ele se aproxima, baixa os olhos, roda nos calcanhares, sentindo as solas lisas dos sapatos de verniz deslizarem perfeitamente no soalho. Pensa nos sapatos, como deslizam perigosamente por serem novos, como são tão brilhantes como desconfortáveis. Não gosta de festas, das luzes psicadélicas a faiscarem cores que encadeiam, da música demasiado alta, da confusão de pessoas a dançarem, atropelando-se alegremente, lançando gargalhadas ruidosas que se perdem debaixo dos decibéis elevados. A sala vibra, os seus ouvidos vibram e só deseja sair dali e, sobretudo, que ele a deixe em paz. Arrisca um olhar tímido por cima do ombro para ver se ele desistiu de vir atrás de si. Percebe que parou a meio da sala, mas continua a vigiá-la pelo canto do olho. Vira precipitadamente a cabeça, sem saber se o terá encorajado. Olha em redor um pouco irritada, procurando uma saída de emergência, vê dois rapazes e uma rapariga passarem por uma porta. Avança para a porta sem pensar e vê-se num corredor deserto e silencioso. Dá uns passinhos inseguros na penumbra. A porta abre-se atrás de si e o estrépito da festa quebra o silêncio de rompante. Um rapaz e uma rapariga passam por ela com um olhar intrigado, soltam uma gargalhada cúmplice, continuam pelo corredor fora a rir-se dela, desaparecem ao fundo. Logo ali à frente, à direita, um clarão amarelo interrompe a luz frouxa do corredor. Ela aproxima-se, ouve vozes sussurradas, empurra um pouco a porta. É a cozinha. Os dois rapazes encostam-se ao balcão com a rapariga à frente. Param de falar.
- Entra, diz o que está mais próximo, que tem uma garrafa de cerveja na mão.
O outro puxa a rapariga para si e começam a beijar-se com um à-vontade lascivo. O amigo olha para eles, para ela, abana a cabeça e revira os olhos, aproxima-se dela, apoia uma mão na parede, por cima do ombro dela, impedindo-a de recuar para a porta.
- Como te chamas? Pergunta-lhe ao ouvido com a voz entaramelada.
Ela tenta passar por baixo do braço dele, mas ele dobra o cotovelo, bloqueando-a. Depois beija-a no pescoço, desajeitadamente. Ela debate-se, mas ele persiste por entre risadas. Os outros também se riem, incentivando-o. Ele encosta-a à parede, ela está em pânico. Uma mão determinada afasta-o dela, puxando-o violentamente pelos cabelos.
- Voltas a tocar-lhe e vais parar ao hospital, avisa-o, num tom seco.
Eles não se atrevem a reagir. Ela recupera o fôlego, aliviada. É o rapaz que a vigiava na sala.
- Vamos, diz-lhe ele, não voltes a afastar-te de mim.
E ela segue o irmão pelo corredor, obediente e agradecida agora por tê-lo sempre a protegê-la.
(07/03/2013)
Joaquim Rodrigues