"Como é bom recordar! Tenho dias que fecho os olhos e esforço-me! Vejo-me naquela janela antiga, sinto a vizinhança da minha amada, como se fosse agora mesmo! Bem, se o afeto que eu lhe jurei, permanece ainda vivo em mim! Mas como é bom recordar! Ela pergunta-se o que estará ele a pensar. Ele espreita o seu decote pelo canto do olho. Ela pensa que ele deve achá-la uma tagarela insuportável. Ele só está a imaginar coisas com ela. Ela receia que ele ache que não é suficientemente inteligente, ou culta, sabe lá. Ele pensa que a quer abraçar e beijar.
Estão no carro, à porta de casa dela. Foram jantar fora, porque ele faz anos amanhã e aproveitou o pretexto do aniversário para a convidar. Ela ainda não fez dezoito anos e mal conseguiu acreditar quando ele, que já tem dezanove,
a convidou. Ficou cinco minutos de boca aberta, incrédula, cheia de calor, nervosa, aflita e a morrer de felicidade. Ele pensou que nunca mais seria capaz de a enfrentar se ela dissesse que não e teve a consciência do coração a bombear no peito como um cavalo de corridas durante os três minutos que ela demorou a responder-lhe. Por fim, aquiesceu e ele pôde voltar a respirar. Claro que foi tudo mais fácil por terem tido a conversa através do chat.
Escolheram um restaurante à beira-rio, uma esplanada com um ambiente agradável. Ele foi buscá-la a casa e no caminho não falaram muito. Ela tem amigas que pegam no telefone, ligam a um rapaz e convidam-no para sair, assim, sem mais nem menos. E às vezes odeia-se por ser tão tímida e não se atrever a fazer nada do género. Já ele, nunca teve uma namorada e todos os dias se pergunta como farão aqueles seus amigos que conseguem saltar de namorada em namorada com uma rapidez estonteante.
O jantar decorre sem constrangimentos, a conversa flui facilmente e eles, surpreendidos, conseguem relaxar, aproveitam a companhia um do outro, divertem-se. Ele sente-se aliviado por ela falar tanto e não o obrigar a inventar assunto. Ela, no início, estava tão nervosa que desatou a falar, horrorizada com a perspetiva de caírem num silêncio constrangedor. Mas depois embalou na conversa e ultrapassou a timidez ao ver que ele se ria, divertidíssimo com as suas histórias.
No entanto, agora estão no carro e ela pensa que ele deve achá-la uma chata, porque caíram finalmente em silêncio e, provavelmente, ele não diz nada porque está mortinho por se ver livre dela. Ele está a pensar que correu tudo mal porque não conseguiu dizer-lhe que gosta dela. Paralisado, vê-a abrir a porta, despedir--se, partir. Um desastre, pensa.
Mas ela tem uma inspiração, volta atrás, abre a porta, entra de joelhos no banco e lembra que é meia-noite!
- Já me ia embora sem te dar os parabéns, diz.
E, na hesitação de um abraço desajeitado, os seus lábios encontram-se e beijam-se finalmente como desejaram e imaginaram durante a noite inteira.
(28/10/2012)
Rodrigues Joaquim: