Toca uma música no apartamento dela. Está sozinha, vive sozinha. Trabalha de manhã, de tarde, acaba o dia no ginásio, volta para casa, prepara qualquer coisa para comer. Normalmente, janta na sala com um tabuleiro nos joelhos, a ver um pouco de televisão, e deita-se cedo para repetir tudo igual amanhã. Os fins-de-semana são mais difíceis de preencher, por vezes tem um jantar com amigos e é bom, mas quando regressa a casa ao final da noite sente-se ainda mais sozinha.
Hoje não lhe apeteceu ver televisão, pôs um CD a tocar e sentou-se no sofá a pensar. Na televisão, o mundo é frenético, alegre, colorido, os anúncios, os programas, os concursos, toda a gente está muito feliz. Quando sai com os amigos, é ver qual deles se diverte mais, fala mais alto, ri-se mais alto. Uma mentira, o mundo não é assim alegre. Ela sabe, as pessoas fingem que está tudo bem, mas andam perdidas como ela, à procura da felicidade, à procura de um cantinho seguro.
Pensa no que teve, no que podia ter tido, no que lhe passou ao lado, pensa no que pode fazer para melhorar a sua vida, para voltar a viver. Já passou dos trinta não tem mais vontade de continuar com essa falsa alegria, e gasta as energias todas no trabalho. Mas todos os dias pensa que quer mais, que a vida não pode ser só isto, não tem de ser só isto, que o tempo não tem de se arrastar como se estivesse apenas a gastá-lo sem o partilhar com alguém que ame, que a ame, sem sentir a felicidade de o partilhar com outra pessoa. Não quer ficar o resto da sua vida sozinha, com medo da solidão. O que ela deseja é ter alguém ao seu lado que a ame, só isso, e depois então já não precisará de fingir que está tudo bem.
O CD acaba e o silêncio enche a sala como uma bolha de ar prestes a rebentar. Ela levanta-se, olha à sua volta, a roer uma unha sem se aperceber disso. O apartamento é pequeno, mas parece-lhe grande demais de tão vazio. Falta-lhe uma companhia com quem falar, alguém que jante com ela, que durma com ela a noite inteira. Vai para o quarto, despe-se em frente ao espelho a perguntar-se se haverá algo de errado com ela. Veste um pijama, deita-se com um livro que não lhe apetece ler. Lê duas páginas a custo, desinteressada, com as letras a fugirem-lhe dos olhos que se fecham, e adormece com ele em cima do peito, os óculos na cara e um sonho feliz, no qual, finalmente, tem tudo o que lhe falta.
(08/03/2013)
Joaquim Rodrigues
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