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sábado, 22 de março de 2014

"Fala-me de amor"


                                                                       (Joaquim Rodrigues)

"O ladrão de Sonhos)

(Joaquim Rodrigues)
                                     

                                                             

“A quem telefonar?”


Estão agora os dois sentados frente a frente naquele salão de chá. Tomam chá num acolhedor café da rua de Santa Catarina, na cidade do Porto. Está uma tarde chuvosa e a água escorre pelos vidros das janelas, derramando neles a melancolia do inverno, ela declara com amargura.
 - Os homens são todos iguais, umas bestas! Não se pode confiar neles.
Ele pousa nela os seus olhos perplexos, e logo pensa que dizer mal dos homens no primeiro encontro não é a melhor estratégia romântica.
 - Meã culpa, defeito meu desculpa.
Conheceram-se no Facebook numa daquelas noites muito chuvosas e frias que nos deprime e nos faz ficar em casa. Passaram a trocar mensagens e acabaram por combinar este encontro. Desde o seu divórcio, já passaram alguns anos, ela não voltou a casar. Nesse período, teve dois namorados, nenhum por mais de seis meses. Diz que não acerta, que só lhe aparecem homens que não prestam. Ele tem um sorriso benévolo e pensa, mas não diz, que nunca casou, já teve muitas namoradas, nenhuma por mais de seis meses nos últimos anos, e está muito bem assim. Então porque se queixa ela? Queixa-se porque, apesar de ter tido um casamento miserável durante cinco anos, ambiciona casar-se novamente. A sua extrema sensibilidade em relação a esse fracasso não lhe destruiu só o casamento, mas também as três relações subsequentes. Com efeito, ela tem saltado de falhanço em falhanço porque saiu magoada e desconfiada do casamento e
(Joaquim Rodrigues)
estendeu os sentimentos negativos aos dois namorados seguintes. Mas não tem a lucidez suficiente para entender que, ao tratar os namorados como culpados e ao fazer-lhes exigências insensatas, o seu comportamento irascível provoca uma reação de desconforto e de rejeição.
Ela tem cinquenta e dois anos e um sentimento de urgência, quer, desesperadamente, corrigir o pesadelo desse casamento falhado e retomar o sonho de uma relação que lhe permita ser feliz o resto de sua vida e ter uma segurança no futuro que ainda resta. Mantem-se, portanto, num limbo, com a sensação de ter a vida suspensa já há anos. Só considera o futuro, falta-lhe a tranquilidade necessária para aproveitar o presente. Ele não sabe nada disto, evidentemente, mas, ao escutá-la no decorrer da tarde, vai começando a ter uma ideia dos motivos da sua amargura. Em redor, o sábado vai-se escoando num rumor de conversas serenas, de chávenas fumegantes, de chuva a bater nas janelas. Finalmente, pensa que poderia dizer-lhe que os homens não são todos iguais, que ela é que os faz todos iguais, porém, já a ouviu lamentar-se tanto que começa a sentir-se saturado. Paga a conta levanta-se olha para ela e pergunta.
 - Vamos?
Saem. Tinha pensado convidá-la para jantar, mas desistiu da ideia. Acompanha-a ao táxi e despede-se sem promessas. Depois, respira fundo o ar fresco da noite e pensa.
 “A quem hei-de telefonar agora, para compensar este fiasco?”

 (23/02/2014)
Joaquim Rodrigues

"O Vento"

                             
                                                             (Joaquim Rodrigues)

"Será sempre um olhar" (HD) Joaquim Rodrigues


                                                              (Joaquim Rodrigues)

“Acredita no teu futuro”


Hoje ela já sabe o seu futuro. Ela tem a perfeita noção de que a sua vida se foi compondo de raros e preciosos momentos de grande felicidade. Um determinado Natal em que recebeu um presente especial das mãos do pai, era ainda criança, o dia em que concluiu o curso superior, o instante em que deu o primeiro beijo quão namorado e o dia em que casou com ele, a madrugada em que lhe passaram para os braços o filho recém-nascido. São momentos de felicidade gravados na sua memória. No entanto, para além desses instantâneos de alegria descomedida, persiste a sensação de uma vida sem graça, no seu todo. Teve a infância fácil e despreocupada que qualquer criança merece. Depois, sentiu-se traída pela natureza ao descobrir que não passava de uma rapariga vulgar, pouco abençoada pela beleza, que não despertava o interesse dos rapazes. Finalmente, cativou um jovem tão pouco interessante quanto ela e, sabe-o agora, confundiu o alivio com felicidade e a necessidade de amar com amor verdadeiro. Casou. Vinte anos passaram. O filho cresceu e saiu de casa. Ela pensou que se fechava um ciclo. Entretanto, ia trabalhar dia após dia, semana após semana, na empresa vulgar onde tinha um emprego banal. O seu sonho era largar tudo e partir, a sua fantasia foi por de lado um bocadinho do ordenado durante anos a fio para um dia concretizar o seu sonho.
(Joaquim Rodrigues)
Mas, no fundo, nunca acreditou que chegasse a dar o passo decisivo. Era só um sonho muito pouco realista e, portanto, nada faria para tornar verdadeiro. E, pensando bem, nem sequer se pode dizer que fosse um sonho muito original. Ela própria pensava que havia milhões de pessoas com a mesma ideia vaga de largar tudo e partir. E que, sendo uma ideia tão vaga que não chegava a ser um plano, nunca partiam realmente. Por isso, continuou no seu trabalho aborrecido, a sentir-se encurralada e a pensar num futuro diferente, esquecendo-se de viver o presente. Até que o mundo se encarregou de decidir por ela a mudança que sonhava. Com a chegada da crise económica, a empresa onde trabalhava foi arrastada na avalancha das falências e ficou desempregada. Agora, ali está ela sozinha, sentada num banco publico à frente da praia de Copacabana. A noite caiu morna e ela, sem nada para fazer, escuta o rumorejar da cidade enquanto fuma um cigarro. Com quarenta e sete anos, está feliz porque realizou o seu sonho, embora sinta um cliché e tenha feito esta descoberta surpreendente de que tem saudades do marido. Apaga o cigarro, suspira, levanta-se e regressa ao hotel a sorrir. Já decidiu voltar para casa, mas desta vez para viver o momento, ser feliz e não se preocupar com o futuro.

 (13/03/2014)
Joaquim Rodrigues