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segunda-feira, 6 de março de 2017

"Nostalgia - I"

Joaquim Rodrigues

No crepúsculo do bar cheio a uma hora tardia, os focos de luz caem sobre a banda que atua no palco ao fundo da sala. Sentado a uma mesa num canto discreto, ele fuma um cigarro e observa a sala, satisfeito com o resultado de um longo trabalho. Abriu o bar há quase cinco anos e agora é um sucesso, mas o pensamento foge-lhe para uma recordação melancólica, como lhe acontece recorrentemente. Lembra-se dela, parece que a está a ver ali à frente a cantar, com a sala caída num silêncio rendido ao fôlego suspenso numa emoção, as almas enlevadas, prestes a rebentar em palmas e gritos de entusiasmada aprovação ao extinguir-se o último som que lhe sai do coração.
Recorda-a a servir às mesas e atrás do bar. É bonita, tem um sorriso tímido, faz o seu trabalho sem se fazer notar, mas sem uma falha. Lembra-se de entrar no restaurante durante a tarde, a uma hora em que está fechado ao público, e surpreendê-la sozinha no palco, sentada num banco alto a tocar a guitarra e a cantar de olhos fechados para a sala vazia. Ele fica ali parado de pé, espantado, a pensar que nunca ouviu uma voz assim. A música acaba, ela abre os olhos e fica embaraçada ao perceber que ele estava a ouvi-la sem que tivesse dado pela sua presença, nem a sua chegada.
Convence-a a cantar em público, procura músicos para a acompanharem, ajuda-a a começar a nova carreira, apaixona-se. Ela diz que o ama, que ele é tudo para si. Enche a sala todas as semanas, com a sua voz, com gente que vem de longe para a ouvir. Grava um disco, passa na rádio, dá concertos. Parte em digressão pelo país e telefona-lhe um dia – ele lembra-se desse telefonema como se fosse hoje, com a mesma angústia.
 - Desculpa-me mas não volto mais, diz-lhe que já não volta para ele.
Soube que ela vivia com um dos músicos da banda. Ela escreve-lhe uns emails dispersos, sempre que chega a uma terra nova. E ele nunca lhe responde, e os emails são cada vez mais espaçados no tempo, até findarem definitivamente.
Ao fim da noite, depois de terem saído todos os clientes do bar restaurante, só lhe resta fechar a porta e ir para casa. Mas fica ainda um pouco a acabar a bebida, a fumar mais um cigarro, sentado no crepúsculo, à mesa do canto. À sua esquerda, a luz da rua entra pelos vidros da porta. Ela está ali parada a olhar para ele, meio rosto iluminado pela claridade de fora.
 - Estava a pensar em ti, diz ele, sem se preocupar em fingir que não quer saber dela.
 - O quê?
 - A pensar se voltarias um dia.
 - Nunca me fui embora, responde ela, na minha cabeça estive sempre aqui.
Passa por ele um sorriso fugaz, e pergunta-lhe.
 - Queres sentar-te?
 Ela tira o casaco enquanto ele lhe serve uma bebida da garrafa em cima da mesa, então diz.
 - Conta lá! Por onde tens andado?
(16/12/2016)
Joaquim Rodrigues

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