Joaquim Rodrigues
No crepúsculo do bar cheio a uma hora tardia, os focos de
luz caem sobre a banda que atua no palco ao fundo da sala. Sentado a uma mesa
num canto discreto, ele fuma um cigarro e observa a sala, satisfeito com o
resultado de um longo trabalho. Abriu o bar há quase cinco anos e agora é um
sucesso, mas o pensamento foge-lhe para uma recordação melancólica, como lhe
acontece recorrentemente. Lembra-se dela, parece que a está a ver ali à frente
a cantar, com a sala caída num silêncio rendido ao fôlego suspenso numa emoção,
as almas enlevadas, prestes a rebentar em palmas e gritos de entusiasmada
aprovação ao extinguir-se o último som que lhe sai do coração.
Recorda-a a servir às mesas e atrás do bar. É bonita, tem
um sorriso tímido, faz o seu trabalho sem se fazer notar, mas sem uma falha.
Lembra-se de entrar no restaurante durante a tarde, a uma hora em que está
fechado ao público, e surpreendê-la sozinha no palco, sentada num banco alto a
tocar a guitarra e a cantar de olhos fechados para a sala vazia. Ele fica ali
parado de pé, espantado, a pensar que nunca ouviu uma voz assim. A música
acaba, ela abre os olhos e fica embaraçada ao perceber que ele estava a ouvi-la
sem que tivesse dado pela sua presença, nem a sua chegada.
Convence-a a cantar em público, procura músicos para a
acompanharem, ajuda-a a começar a nova carreira, apaixona-se. Ela diz que o
ama, que ele é tudo para si. Enche a sala todas as semanas, com a sua voz, com
gente que vem de longe para a ouvir. Grava um disco, passa na rádio, dá
concertos. Parte em digressão pelo país e telefona-lhe um dia – ele lembra-se
desse telefonema como se fosse hoje, com a mesma angústia.
- Desculpa-me mas
não volto mais, diz-lhe que já não volta para ele.
Soube que ela vivia com um dos músicos da banda. Ela
escreve-lhe uns emails dispersos, sempre que chega a uma terra nova. E ele
nunca lhe responde, e os emails são cada vez mais espaçados no tempo, até
findarem definitivamente.
Ao fim da noite, depois de terem saído todos os clientes
do bar restaurante, só lhe resta fechar a porta e ir para casa. Mas fica ainda
um pouco a acabar a bebida, a fumar mais um cigarro, sentado no crepúsculo, à
mesa do canto. À sua esquerda, a luz da rua entra pelos vidros da porta. Ela
está ali parada a olhar para ele, meio rosto iluminado pela claridade de fora.
- Estava a pensar
em ti, diz ele, sem se preocupar em fingir que não quer saber dela.
- O quê?
- A pensar se
voltarias um dia.
- Nunca me fui
embora, responde ela, na minha cabeça estive sempre aqui.
Passa por ele um sorriso fugaz, e pergunta-lhe.
- Queres sentar-te?
Ela tira o casaco
enquanto ele lhe serve uma bebida da garrafa em cima da mesa, então diz.
- Conta lá! Por
onde tens andado?
(16/12/2016)
Joaquim Rodrigues
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