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segunda-feira, 4 de julho de 2016

"UM DIA DE CHUVA"

Joaquim Rodrigues

A mensagem dela entra no computador através do Facebook quando ele está a trabalhar. Não a lê logo. Pensa que talvez já seja altura de a esquecer definitivamente. Afinal de contas, não se encontra com ela há mais de um ano. Mas é um amor que ficou, apesar de tudo, uma recordação que persiste num perfume errante que o faz virar a cabeça ao cruzar-se acidentalmente com alguém que tem o cheiro dela, que poderia ser ela, mas não é; que persiste nos lugares por onde passa e o deixam preso a olhar com perplexidade, recordando os momentos em que lá estiveram os dois; é um amor que ficou para trás mas que teima em regressar com muitos pretextos indesejados que lhe traem a determinação. Mas, enfim, é só isso, um assunto antigo, resolvido, uma recordação dissolvida em duas vidas separadas por caminhos divergentes.
Lê a mensagem duas horas mais tarde. É um comentário banal, para meter conversa, parece-lhe. Responde-lhe com palavras curtas, com a informalidade de velhos amigos. Ela, porém, insiste, de modo que os comentários prosseguem no chat, para cá e para lá, pelos dias seguintes.
A pastelaria é como um abrigo caloroso numa rua movimentada de Inverno. Senhoras idosas entram a sacudir os guarda-chuvas, refugiam-se à volta de um chá quente a desabafar as suas queixas. Eles os dois estão sentados a uma mesa junto à janela. Uma velha solitária vem acomodar-se a uma mesa quase colada à deles. Demora-se a despir uma gabardina donde pingam restos de chuva, a organizar um acervo de sacos, a encostar à cadeira um guarda-chuva que teima em escorregar para o chão. A mulher senta-se finalmente, olha para eles, interrompe-os.
- Estejam à vontade, diz, conversem o que quiserem que eu cá sou surda. Eles aquescem, abafam o riso, retomam a conversa. Ali estão os dois, depois de tanto tempo sem se verem. A conversa no chat trouxe-os ali, àquela pastelaria anónima, onde combinaram um pequeno-almoço tardio para se verem e actualizarem as vidas distantes que levam hoje em dia. O empregado traz-lhes café e um pão emborrachado que os faz rir da insipiência que grassa nesta pastelaria de bairro. Mas nada daquilo lhes importa, senão eles próprios.
Lá fora, o vento forte arrasta gotas grossas de chuva que deslizam pela vitrina. Dentro, eles falam dos seus dias, como costumavam fazer noutra vida, e, não obstante tudo o que os separou, descobrem que se entendem com a mesma facilidade e a mesma alegria de outrora. É uma revelação para os dois, ainda com interrogações, mas, quando saem da pastelaria, vão rua fora debaixo de um guarda-chuva, enfrentando juntos a saraivada de chuva e a pensarem que já sobreviveram a outras tempestades muito piores, e ainda ali estão.
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19/02/2013: in :04/07/2016)
Joaquim Rodrigues

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