Joaquim Rodrigues
Conhecem-se no comboio, algures entre Portugal e França. Ela
vai para Paris, ele para Berlim. Têm ambos vinte e poucos anos e viajam
sozinhos. Vêem-se pela primeira vez quando se sentam frente a frente numa
carruagem de passagem por Espanha.
Ele surpreende-a a espreitar por cima do livro que tem nas
mãos, interessada na capa do livro que ele lê. Sorri-lhe.
- Já leste este? Pergunta-lhe.
- Não, responde ela, é bom?
- Para dizer a verdade, não estou a adorar.
- E o teu? Ela encolhe os ombros.
- Eh ! Já li melhor.
E é o início de uma longa conversa que lhes permite
conhecerem-se melhor. Vão assim, por aquelas horas todas, na companhia um do
outro, sempre a falar, sem darem pelo tempo a passar.
Chegados a Paris, despedem-se com a sensação de terem uma
ligação, como se se conhecessem há muito mais do que aquelas escassas horas no
comboio. Mas antes, ele propõe-lhe trocarem de livros.
- Lês o meu e eu leio o teu, depois digo-te o que achei, e
tu fazes o mesmo.
- Combinado, - concorda ela.
Ele lê o livro dela durante o resto da viagem. Ela faz o
mesmo em Paris. Em breve estão de novo em contacto, a propósito dos livros, ou
tendo estes como desculpa para voltarem a falar, pois ficou-lhes uma enorme
vontade de se juntarem outra vez. Atravessam a semana seguinte em permanente
contacto, falando ao telefone, dizendo onde estão, o que fazem, o que pensam
das coisas que vêem ou experimentam. Por fim, não resistindo à distância que os
separa, acabam por combinar um encontro em Estrasburgo, a meio caminho entre
Paris e Berlim. Cada um deverá tomar o seu comboio em direção à cidade
francesa, junto à fronteira com a Alemanha.
Passaram-se trinta anos. Ele está na estação em Estrasburgo
quando ela chega. Abraçam-se. Falam em inglês, porque ela não sabe alemão e ele
não sabe francês. Ela repara que ele agora tem o cabelo todo branco, mas de
resto continua o mesmo. Também ela tem umas rugas mais, mas reconhece-lhe o
mesmo sorriso juvenil de antigamente.
Já lá vão tantos anos e hoje deixaram as suas famílias por
vinte e quatro horas, para se reverem. Recentemente, descobriram-se por sorte
no Facebook e mantiveram o contacto, agora sentam-se num café, abanam a cabeça
com um sorriso desconcertado e pensam como poderiam ter sido diferentes as suas
vidas se tivessem chegado a reencontrar-se naquela época.
Tinham combinado regressar a Estrasburgo trinta dias mais
tarde, mas afinal, por motivos distantes que hoje lhes parecem menores, embora
determinantes na altura, só o fizeram trinta anos depois.
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(05/10/2012:in:05/07/2016)
Joaquim Rodrigues
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