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quinta-feira, 24 de outubro de 2013

"Um Desastre ao Jantar"


Por ser muito importante para o futuro de suas vidas, escolheram os dois jantar fora e falarem tudo o que tinham para falar. Não podiam demorar muito mais tempo. Ela, com o seu ar desempoeirado e impertinente, de nariz arrebitado, soltou um provido chorrilho de imprecações que lhe provocou um grande embaraço. Ficou quedo e mudo, lívido, incapaz de uma réplica à altura. Depois, ela levantou-se e saiu de cabeça erguida, deixando-o a jantar sozinho, com a sensação de ter em redor o restaurante dividido entre os olhares femininos de condenação pousando sobre si e as expressões compassivas dos seus pares masculinos. Sendo um restaurante de luxo, caiu um silêncio espantado perante o escândalo, seguido de um lento retomar das conversas em sussurros contidos, depois que ela, erguendo-se de rompante e atirando o guardanapo de pano para cima da mesa, deixou a sala com um passo determinado. Ele olhou em redor com um sorriso forçado, comprometido, como que dizendo
"mulheres, que fazer?".
Logo enfiando os olhos no prato para não ter de encarar ninguém. O empregado, discreto, apaziguador, veio perguntar.
 - O senhor deseja mais vinho?

(Joaquim Rodrigues)
- Sirva, sirva, respondeu, descoroçoado, e pode retirar esse lugar, acrescentou, apontando discretamente para o prato à sua frente, no outro lado da mesa.
- Com certeza, disse o empregado, num murmúrio de respeito.
 "Que barraca, pensou, envergonhado, tomando uma golada valente de vinho, mas eu mereci, eu mereci, e acompanhou esta reflexão com um menear de cabeça carregado de fatalidade, um encolher de ombros resignado, gestos inconscientes de quem não se apercebe que está a sublinhar os pensamentos com expressões corporais, como se falando com alguém.
Era aquilo o culminar espetacular de quatro semanas de romance, um mês de paixão desabrida, sem moderação, falando-se já de um casamento urgente, de um futuro para sempre. Enfim, o afeto vivo, avassalador, esfumou-se nele como um pavio curto, enquanto ela, exultante de entusiasmo, planeava já a festa, a lista dos presentes, o padre! Aborreceu-se, quis libertar-se, sacudir o apuro em que se via, convidou-a para jantar fora num ambiente requintado, de cerimónia, acreditando que haveria só uma reação de tristeza contida.
  “ Qual quê, uma explosão indignada, foi o que foi! Bem feito, censurou-se, para aprender a não ser esperto e a ser mais corajoso. Acabou o vinho, pediu a conta, levantou-se e foi andando para a saída com o vil peso da derrota sobre os ombros.

(24/10/2013)
(Joaquim Rodrigues)

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