Chamam-lhe o artista. É músico há tanto tempo que pode ficar horas seguidas a contar episódios memoráveis da sua carreira emérita. Houve uma época em que tocava e cantava para plateias imensas, ao lado de outros grandes de então.
Hoje, senta-se, noite após noite, no banco alto em cima do palco curto, ao fundo do bar. Tem uma guitarra e um microfone e quando atua volta a haver magia.
Ao fim-de-semana, o bar enche-se de gente alegre que bebe e dança ao ritmo da sua guitarra dedilhada com a mestria de uma experiência de meio século de canções compostas no velho estúdio, em casa. Mandou construí-lo com apuros tecnológicos de um tempo antigo. Agora, é só o seu cantinho nostálgico com instrumentos desatualizados, gravadores de fita que já ninguém usa, uma mesa de mistura empoeirada atrás de um vidro sujo. Velhos cartazes descoloridos que anunciam épicos concertos esquecidos, descolam-se da parede isoladora, encardida por décadas de cigarros inspiradores.
(Joaquim Rodrigues) |
Já na rua, faz uma pausa para acender um cigarro, antes de se pôr a caminho de casa. Fecha a porta, deixa a guitarra na entrada, passa pela cozinha, leva para a sala um copo cheio de gelo, deita-lhe uma boa dose de uísque. Tira o colete e as botas de cano alto, solta o rabo-de-cavalo grisalho, senta-se na poltrona, estica as pernas, liga a televisão e acende mais um cigarro. E ali fica a beber e a fumar madrugada dentro, recordando com mágoa a mulher que tanto amou, mas que perdeu no ano passado. Lamenta não ter tido filhos porque era feliz e tinha tudo o que um homem podia desejar na vida.
Hoje em dia, o artista é só uma cara vagamente conhecida, um nome que está na ponta da língua mas não sai, algumas músicas que os mais velhos ainda recordam. Adormece sozinho, com o copo na mão, a garrafa vazia deitada no chão. Dorme, apagado pelo álcool, um sono justo e sem sonhos.
(08/10/2013)
(Joaquim Rodrigues)
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