Foi há muito, muito tempo, mas ele lembra-se como se fosse hoje desse episódio fugaz que o marcou indelevelmente a vida. De tempos a tempos ainda regressa ao hotel onde a conheceu, já não com a esperança de a reencontrar, embora, no fundo, persista a fantasia de imaginar como seria se desse com ela tantos anos depois. Faz hoje exatamente dez anos que se conheceram na larga varanda onde serviam refeições leves. Lembra-se de ter fechado os olhos protegidos pelos óculos escuros, deleitado com o Sol quente do final desse Inverno, e, ao reabri-los, ter reparado que ela se sentara à mesa do lado. Sorriu-lhe, ela retribuiu. Era uma mulher bonita e o seu cabelo, de um amarelo quase branco, fulgia com o reflexo da intensa claridade do dia. Acendeu um cigarro, estendeu-lhe o maço, ela rejeitou educadamente.
- Obrigado, não fumo, disse.
Comentou que era agradável aproveitar aquela varanda num dia soalheiro. Ela concordou. Continuou a falar. Não era o seu género meter conversa, muito menos sair-se bem, mas estava inspirado, eloquente, bem-disposto, fê-la rir-se com gosto. À frente deles estendia-se um extraordinário jardim desenhado à tesoura, com sebes geometricamente recortadas. A conversa fluiu pela tarde, continuou durante um passeio tranquilo pelo jardim florido, acabou de novo na varanda com o Sol mortiço, uma chávena de chá. E, no final do dia, ficaram com a sensação de se conhecerem há muito. Convidou-a para jantar, ela recusou.
- Hoje não posso, disse, mas talvez amanhã, se nos encontrarmos aqui.
- Combinado, respondeu, entusiasmado.
- Combinadíssimo, reforçou ela, sorridente.
No entanto, no dia seguinte não compareceu ao encontro e, ainda hoje, ele não sabe porquê. Não estava hospedada no hotel e não havia forma de a localizar, perdeu-lhe irremediavelmente o rasto. Contudo, ficou sempre aquela impressão de se entenderem perfeitamente, de natural cumplicidade. Agora, sentado à mesma mesa, na mesma varanda do hotel, fecha os olhos e imagina que, ao reabri-los, como seria ao descobri-la sentada ali ao lado como na primeira vez. Isso não acontece, evidentemente. Mais tarde, ao sair do hotel, cruza-se com uma mulher de cabelo loiro quase branco no preciso momento em que o empregado o chama, trazendo uma chave esquecida, e ele, voltando-se para o homem, não dá atenção ao vulto que passa por trás de si. Ela também não lhe vê o rosto e não o reconhece de costas. Ele vai-se embora e ela vai sentar-se na varanda, à mesma mesa de sempre, onde, por vezes, gosta de aproveitar o sol e imaginar como seria se ele aparecesse de repente e retomassem a conversa como se não tivessem passado dez anos.
(10/03/2013)
Joaquim Rodrigues:
2 comentários:
Pois é... o tempo, nosso grande aliado e um eterno carrasco... não aquele que judia, mas que nos faz envelhecer dia após dia, e nossa alma jovem anseia por mais e mais dias de amor... Quisera hoje eu poder voltar 10 anos no tempo, mas ao mesmo tempo tanta coisa boa aconteceu e se eu tivesse que mudar, apenas para reviver um momento, não seria justo... Mas seria tão bom começar tudo de novo, de um outro jeito... Mas, o tempo... Ah! esse tempo danado!
Adorei seu texto... me fez viajar nas boas lembranças de uma varanda de hotel...
Olá Ritinha, adorei que comentasses este meu texto,uma história linda, que poderia muito bem ser teu, meu, ou de uma outra qualquer pessoa, não é mesmo? Muito obrigado amiga Ritinha pelo teu comentário lindo, beijos.
Postar um comentário