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quarta-feira, 3 de abril de 2013

"Nostalgias,I"

No crepúsculo do bar, cheio a uma hora tardia, os focos de luz caem sobre a banda que atua no palco ao fundo da sala. Sentado a uma mesa num canto discreto, ele fuma um cigarro e observa a sala satisfeito com o resultado de um longo trabalho. Abriu o bar há quase cinco anos e agora é um sucesso. Mas o pensamento foge-lhe para uma recordação melancólica, como lhe acontece recorrentemente. Lembra-se dela, parece que a está a ver ali à frente a cantar, com a sala caída num silêncio rendido, o fôlego suspenso numa emoção, as almas enlevadas, prestes a rebentar em palmas e gritos de entusiasmada aprovação ao extinguir-se o último som que lhe sai do coração. Recorda-a a servir às mesas e atrás do bar: É bonita, tem um sorriso tímido, faz o seu trabalho sem se fazer notar, mas se m uma falha.
Lembra-se de entrar no restaurante durante a tarde, a uma hora em que está fechado ao público, e surpreendê-la sozinha no palco, sentada num banco alto a tocar a guitarra e a cantar de olhos fechados para a sala vazia. Ele fica ali parado de pé, espantado, a pensar que nunca ouviu uma voz assim. A música acaba, ela abre os olhos e fica embaraçada ao perceber que ele estava a ouvi-la sem que tivesse dado pela sua chegada.


Convence-a a cantar em público, procura músicos para a acompanharem, ajuda-a a começar a nova carreira, apaixona-se. Ela diz que o ama, que ele é tudo para si. Enche a sala todas as semanas, com a sua voz, com gente que vem para a ouvir. Grava um disco, passa na rádio, dá concertos. Parte em digressão pelo país e telefona-lhe um dia, ele lembra-se desse telefonema como se fosse hoje, com a mesma angústia.
Diz-lhe que já não volta para ele. Soube que ela vivia com um dos músicos da banda. Ela escreve-lhe uns mails dispersos, sempre que chega a uma terra nova. Ele nunca lhe responde e os mails são cada vez mais espaçados no tempo, até findarem definitivamente. Ao fim da noite, depois de terem saído todos, só lhe resta fechar e ir para casa.
Mas fica ainda um pouco a acabar a bebida, a fumar um cigarro, sentado no crepúsculo, à mesa do canto. À sua esquerda, a luz da rua entra pelos vidros da porta. Ela está ali parada a olhar para ele, meio rosto iluminado pela claridade de fora.
 - Estava a pensar em ti, diz ele, sem se preocupar em fingir que não quer saber dela.
 - O quê?
 - A pensar se voltarias um dia.
 - Nunca me fui embora, responde ela, na minha cabeça estive sempre aqui.
Passa por ele um sorriso fugaz, pergunta-lhe.
 - Não te queres sentar?
 Ela tira o casaco enquanto ele lhe serve uma bebida da garrafa em cima da mesa, e pergunta.
 - Então, conta lá por onde tens andado?.

((12/05/2013)
Rodrigues Joaquim:

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