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domingo, 31 de março de 2013

"Secalhar, não é Amor!"



Ao início foi uma história de amor como outra qualquer. Como tantas outras, um rapaz conhece uma rapariga, engraçam um com o outro, bebem uns copos, trocam umas gargalhadas, depois umas carícias, encostam os corpos e o resto é química. Hormonas. Neurotransmissores. Reações fisiológicas e emocionais. Nada de novo. Nada que nunca ninguém tivesse passado. Nada que nunca ninguém tivesse vivido.
Mas havia uma coisa que os distinguia dos outros casais que conheciam. Peter, o alemão alto de Hamburgo, não tinha nenhum amigo com uma namorada Portuguesa. E Ana, a morena de olhos claros do Porto, não tinha amiga nenhuma com um namorado alemão. Algumas já se tinham enrolado com uns turistas de Düsseldorf, numas férias de verão há muito, muito tempo, mas isso não contava. Peter e Ana conheceram-se quando ela fez Erasmus em Munique. Queria ir para o centro da Europa porque, acreditava, era ali que estavam as melhores oportunidades de emprego quando acabasse o curso. Tinha razão. E por lá foi ficando. De trabalho em trabalho, foi ganhando currículo, aperfeiçoando competências, desenvolvendo experiência. Em Portugal tinha a família, os amigos, as férias, os afetos. Também tinha emprego, se quisesse, mas não tão bem pago. Peter também tinha arranjado emprego num banco, depois noutro, fora promovido, estava lançado. Foi assim durante três anos. Durante três longos anos, a relação durou. A cumplicidade estava garantida, o sentimento também. Mas havia uma coisa constante que ia chateando. Não matava mas moía. Aqueles dois gostavam-se mas o Norte e o Sul chocavam em feitios. E era constante. Volta não volta, Peter falava do sol de Portugal que invejava, mas desdenhava da capacidade de trabalho que dizia não existir no Pais de Ana. E Ana elogiava a ordem alemã, mas lamentava-se da falta de improviso germânica.
Há três semanas, o verniz estalou. Cansada de ver o namorado elogiar as políticas da chanceler Merkel e do ministro Schäuble, farta de ver Peter acenar com a cabeça cada vez que os amigos dele falavam da preguiça do Sul em oposição ao trabalho do Norte, Ana deu um murro na mesa. Discutiram. Gritaram. Atiraram coisas ao chão. Durante duas horas de tensão, ela chamou a si todas as dores de quem está farto de apertar o cinto. E ele berrou em nome da capacidade de poupança de quem está cansado de «trabalhar para os outros gastarem».
Naquelas duas horas, passaram em revista economia, finanças, hábitos, costumes, políticas, eleições, preconceitos. Ela não gostou do que ouviu e saiu de casa. Ele não gostou do que disse e pediu-lhe para ela voltar.
Ana ainda ponderou, mas as notícias falaram mais alto. E a família. E os amigos. Ela bem queria olhar para ele e não ver Berlim nem Bruxelas em forma de homem, mas do Porto as notícias do resgate financeiro da troika, dos bancos encerrados, da votação no parlamento à taxa aos depósitos, da falta de moedas e dos protestos na rua, tudo isso falou mais alto. Sim, se calhar não havia amor, e por isso não sobreviveram à crise.
Talvez fosse. Mas o certo é que o divórcio Norte-Sul de Peter e Ana deixou esta orgulhosa. Ainda ontem, em trocas de e-mails com amigos que lhe perguntavam se ela estava bem, fazia trocadilhos de finanças, como «os créditos da paixão acabaram» ou «os juros da relação já não são cobrados». Ainda assim, contínua triste. Ele também. E não há volta a dar a isso. Com ou sem empréstimos, vamos esperar para ver !.

(31/03/2013)
Joaquim Rodrigues

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