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terça-feira, 12 de março de 2013

"Premonição"


Hoje ela liga o rádio logo de manhã, enquanto prepara o pequeno-almoço na cozinha. Nunca o faz, é um gesto impulsivo. Está a dar uma música que não ouvia há muito, que costumava escutar com ele, mas depois arrumou num canto esquecido da memória, como fez com tudo o que lhe dizia respeito. Agora, passados aqueles anos, ao ouvir inesperadamente a música, recorda-se dele com um certo sabor a nostalgia. Deixa-se ficar a ouvir, a recordar a letra, I crossed all the lines and I broke all the rules/ But baby I broke them all for you/ Because even when I was flat broke/You made me feel like a million buck / You do/ I was made for you. Escuta a música e pensa que ele era isto mesmo, capaz de quebrar todas as regras por ela, de fazer tudo por ela e, no entanto, um dia deixou-o. Na altura pensou que era melhor assim, pensou... pensou que ele não era suficientemente bom, foi isso. Abandonou-o de qualquer maneira, uma conversa embaraçosa enquanto tomavam uma bica e lhe dava as suas justificações fúteis, um suspiro enquanto se afastava apressada do café. Na altura, sentiu-se tão aliviada por ter despachado o assunto que nem pensou nele, não pensou em mais nada. Dá-se conta de que a música acabou, levanta-se da cadeira, desliga o rádio, pega na carteira, sai de casa. No elevador, ocorre-lhe que foi injusta, ele não merecera a falta de estima, o descuido com que o tratou, mas depois encolhe os ombros, estas coisas são mesmo assim, pensa, acabou, ponto final, não lhe atendeu mais o telefone, e então? Estiveram uns dias de chuva, como se o Verão tivesse acabado, mas ao sair para a rua apercebe-se de que o Sol voltou. Sente-se feliz, vai caminhando até ao metro atenta às montras, toma nota mentalmente de algo que quer comprar, pensa fazê-lo à hora do almoço. Desce as escadas do metro, chega à plataforma quando as portas do comboio se fecham. Não se importa, não está atrasada. Observa-o distraída a partir e, nesse instante, tem uma visão e o sangue gela-lhe nas veias, o coração salta. Ele está ali, à sua frente, no comboio, e ela não sabe o que fazer, não consegue pensar, não reage. É só um momento, ele não a vê, o comboio acelera, parte. Fica paralisada, a pensar na música premonitória, a pensar nele. Está igual, o mesmo de sempre, não envelheceu, aquela expressão descontraída, o ar simpático de que mal se lembrava mas é como se o tivesse visto ontem. Vem-lhe tudo à cabeça, as recordações todas, os momentos bons, as promessas felizes, um jantar especial, um dia na praia... e então sente uma angústia, tem uma enorme sensação de perda, uma certeza de que nunca ninguém a amou como ele. E já passou tanto tempo...

22/02/2013:
Joaquim Rodrigues:

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