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quarta-feira, 6 de março de 2013

"HISTÓRIA ENCANTADA"

                                    

 Aconteceu como acontecem todas as coisas estranhas que mudam uma vida: inadvertidamente. Com efeito, foi uma surpresa e, apesar de casada, não estava preparada para lhe voltar as costas. Numa tarde que tinha livre, tão quente como se fosse verão, ela decidiu sentar-se num pequeno restaurante de praia, vazio, onde havia apenas uma mesa corrida sob um alpendre de palha. Ficava numa praiazinha esconsa e não havia senão o dono que fazia petiscos improváveis naquela tasquinha sem nome. Adorou a comida, o mar, a areia quente onde afundou os pés descalços. Voltou na semana seguinte e foi recebida com uma exclamação feliz que ele reservava às pessoas conhecidas. Serviu-lhe uma enorme travessa de peixe e ela pediu-lhe que lhe fizesse companhia, porque não queria estar sozinha. Ele encolheu os ombros, disse que sim, com muito prazer. Agora ela volta sempre que pode. Ele conquistou-a pela comida e pela graça como conta histórias encantadas. Diz que mergulha naquele mar em frente e conhece um mundo inteiro debaixo de água que as pessoas não imaginam. Permite um sorriso ténue no rosto grave quando lhe fala de catedrais esculpidas em rochas que ninguém suspeita e lhe revela as suas conversas com os peixes. Enfeitiçada com as suas fábulas, finge-se séria, pergunta-lhe mais pormenores desses diálogos com os peixes. Ele tem muitos, e muitas histórias, pode falar a tarde inteira e fazê-la esquecer-se da vida. Há um quarto nas traseiras, para onde vão. Ela navega num amor deslumbrado. Mas ele diz-lhe que ela não lhe pertence, que, um dia, deve voltar para a sua família. Quando será esse dia? Pergunta-lhe, surpreendida. Em breve, diz, quando já não precisares de mim. Ela jura-lhe que não o deixará, ele garante-lhe que sim. E realmente, um dia, o marido pede-lhe para chegar mais cedo a casa e, sem pedir satisfações, oferece-lhe flores, diz-lhe que a ama e que não seria capaz de a trocar por nada, nem por um mundo encantado ou uma cabana à beira-mar. Abraça-a e ela não adivinha como soube, porque não pode ter sabido, e, embora desolada, no dia seguinte vai à praia para se despedir do seu amor impossível e encontra só uma barraca abandonada, que não é o restaurante que conhece, e não há sinal dele, senão umas pegadas solitárias que se dirigem para o mar, sem regressarem. Ela faz um sorriso desconcertado, abana a cabeça, perplexa, pensa que não pode ter imaginado tudo... Já lá voltou e perguntou por ele a vários pescadores e teve sempre a mesma resposta: não há ali ninguém e a barraca está vazia há anos. No entanto, ele vive no seu coração, na sua memória, e ela sabe que os pescadores estão enganados.

 (06/01/2013)
Joaquim Rodrigues:

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