Aproximou-se dela mas teve dificuldade em manter uma conversa, pois via-a falar com as pessoas e não parava quieta na sua boa disposição de sorriso aberto e gargalhada fácil. Espalhava essa boa disposição pelas salas por onde circulava com um desembaraço mundano. Parecia conhecer toda a gente, ao contrário dele que à entrada reconhecera apenas algumas caras dispersas e fez um esforço pela noite fora para não ficar sozinho, apesar de ver as companhias ocasionais desfazerem-se ao fim de algumas palavras de circunstância. Agora que a festa acalmou e muitos convidados foram partindo, ele desistiu de falar com alguém e consola-se com o conforto de um sofá, com uma última bebida na mão, a observar as pessoas, como que pairando sobre o ambiente. Ela vem e senta-se ao seu lado, surpreendentemente, começa a tagarelar com ele. Afinal, não o perdera de vista.
De manhã ele vai correr à beira-rio e volta a encontrá-la. Ela mostra-se radiante, tão alegre como na noite passada.
- Que coincidência, exclama.
- O mundo é pequeno, diz ele.
Embora ambos saibam que ela referira que costumava correr ali aos domingos. Vão tomar um café juntos num barzinho ali mesmo em frente. Ela fala muito, é expressiva e divertida, ele está deslumbrado e contagiado com tanta alegria, porque ela o faz rir e isso é bom.
Passa um mês e mais outro. Ele está na sala a ver televisão. Ela senta-se ao seu lado a falar. Conta várias histórias encadeadas sem parar. Ele só quer ver televisão, mas não sabe como dizer-lhe isto, nem ela lhe permite que o diga, pois fala sem parar e sem o ouvir. O entusiasmo inicial foi tanto que já vivem juntos em casa dele. Bem, o entusiasmo inicial feneceu, ela quer atenção o tempo todo e ele quer ver televisão em paz. Ao fim de algum tempo, compreendeu que ela não é tão alegre como aparentava, é dada a altos e baixos, a euforias seguidas de depressões profundas, e ele, que é apenas normal, fica perdido neste carrossel de emoções excessivas. Ela fez-lhe uma cena de ciúmes e partiu metade do serviço no chão da cozinha. Noutra ocasião, quis fazer o jantar e provocou um incêndio. Parece um filme! Ela é catastrófica e ele quer recuperar a sua vida, o seu sossego, sentar-se no sofá sem correr risco de morte. De modo que, apanhando-a fora de casa, muda a fechadura da porta da rua, põe-lhe as malas no lado de lá e um bilhete sucinto:
- Fui para o Brasil.
Em seguida vai para a sala ver um filme, sem som, sem fazer um ruído, aliviado, a pensar que só quer é ficar sossegado a ver televisão em paz.
(10/10/2012)
Joaquim Rodrigues
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