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domingo, 31 de março de 2013

"Chocar com o Destino"



Se não tivesse começado a chover repentinamente, ela não teria corrido a abrigar-se na livraria e, nesse caso, não teria chocado com ele ao entrar por ali adentro como um furacão, no seu estilo desajeitado de sempre.
Mas agora lá está ela de cócoras com os restos do aguaceiro a escorrerem-lhe da gabardina, pelas mangas, para as mãos molhadas, para as folhas de papel espalhadas pelo chão. Ele faz um esforço para controlar a irritação, pensando que preferia que ela não tocasse nas folhas para não fazer mais estragos, mas vê-a tão atrapalhada que não tem coragem de a repreender. Ela deposita-lhe nas mãos um molho de folhas amarrotado. Tem um sorriso comprometido, o cabelo desalinhado, os olhos verdes muito abertos. Pede-lhe mil desculpas. Ele força-se a sorrir,
  - Não faz mal, diz.
  - É um livro? Pergunta-lhe.
“É um ano de trabalho, pensa ele”.
  - É, é um manuscrito, responde-lhe.
- Boa sorte, espero que o consiga editar, diz ela.
Ele sorri, e desta vez é um sorriso genuíno. Ela deambula por entre as bancadas à espera que a chuva passe, pega num livro, lê vagamente a contracapa, pousa-o. Dali a pouco agarra noutro livro de um autor consagrado e, ao ver a fotografia dele na badana, reconhece o homem com quem chocou há pouco. Faz uma careta ao lembrar-se que lhe desejou boa sorte para o livro, como se fosse um novato qualquer.
Sobe a rua quando o sol irrompe por entre as nuvens e um brilho novo refulge nas pedras da calçada molhada. Passa ao lado das esplanadas, onde o poeta de bronze se eterniza sentado de perna cruzada. Os turistas retornam às mesas depois da borrasca. Descobre-o numa dessas mesas debaixo de um chapéu-de--sol, concentrado, a dar uma ordem às páginas que caíram ao chão. Ele ergue os olhos e ali está ela outra vez.
  - Devo-lhe um duplo pedido de desculpas, diz, por lhe ter espalhado as folhas pelo chão e por não o ter reconhecido.
Ele ri-se.
- Não se quer sentar?
  - Não incomodo?
  - Desde que não mexa em nada, diz ele com um ar sério de quem está a brincar.
  - Prometo que não toco em nada, responde ela.
Tira o livro dele do saco que comprou na livraria e pede-lhe um autógrafo.
  - Reconheci-o pela fotografia, afirma, se não tivesse chocado consigo não o teria comprado, comenta, com a cabeça de lado, observando-o a assinar com uma caligrafia expedita.
Ele faz que sim com a cabeça, a pensar que se ela não se tivesse sentado à sua frente não estaria agora hipnotizado pelos seus olhos verdes e a perguntar-se se terá sido o destino que chocou consigo e se ela não poderá ser a mulher da sua vida, embora nenhum dos dois o saiba. Enfim, o costume: vê a vida como uma ficção caprichosa que talvez escreva mais tarde, mesmo sem ainda não conhecer o fim da história.

(31/03/2013)
Joaquim Rodrigues

Um comentário:

Anônimo disse...

Um esbarrão, um olhar, uma senhora atrapalhada, chuva...
Ingredientes perfeitos para um encontro não programado...
Um amor???
Quem sabe...
O encanto existiu...
Lindo texto Joaquim

ROSALINDA